Este blog foi criado para ser um canal de diálogo sobre a arte contemporânea, possibilitando a troca de ideias e, até mesmo, a criação de parcerias para viabilização de projetos culturais. Aqui estarão presentes também resenhas críticas minhas e de outros autores, apresentação de novos artistas e dicas culturais.
Bacharel em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda - pela Usp. Período em que trabalhou como designer e professora de artes gráficas. Mestra em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp. Contou com apoio da Fapesp para sua pesquisa, que versa sobre os procedimentos artísticos modernos e contemporâneos, sobretudo no que diz respeito à colagem. Atua paralelamente como curadora independente.
Fica em cartaz até domingo, 11 de janeiro, a exposição Salvador Dalí no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo.
A partir do percurso traçado pela curadoria, é possível perceber o desenvolvimento do artista ao longo de sua vida, desde suas experimentações com o Cubismo antes de integrar o Surrealismo até os desdobramentos de sua pintura tiveram no cinema, animação e design gráfico.
Ao contrário de algumas retrospectivas de grande repercussão no Brasil, que trazem poucas obras significativas e muitos rascunhos e documentação sem interesse para o público, nesta exposição todas as obras, de maior ou menor relevância histórica, tem significado para a expografia. As fotografias escolhidas, por exemplo, não são apenas documentação do trabalho em ateliê de Dalí. São obras em si, bem pensadas e executas, que deixam ver mais do que o cotidiano do artista, a construção elaborada da personagem que ele era.
Também as capas de revistas expostas nos dão uma noção do alcance de Salvador Dalí no mundo, nos dando a ideia da origem da figura do artista-personagem-empreendedor, que voltou à cena com Andy Warhol e popularizou-se com o artista contemporâneo.
São ainda interessantes na exposição as parcerias audiovisuais de Dalí com Walt Disney e com Alfred Hichckok, demonstrando mais uma vez a proporção tomada por sua obra. O desenho abaixo consegue realmente nos transportar para o universo surrealista.
Durante minha visita à mostra, reparei em dois fatores que fizeram muita diferença: 1- a iluminação impecável: não atrapalhava a visualização (algo bem comum nas últimas exposições visitadas) e valorizava algumas pinturas incrivelmente. 2 - o guia auditivo em QR code: fez com que as pessoas utilizassem seus smart phones de maneira mais produtiva do que para produzir selfies, colaborando com restante do público que quer desfrutar da exposição em outro ritmo. Enfim, o que tenho a dizer é corra que ainda dá tempo. Exposição Salvador Dalí De 19/10 a 11/01, de terça a domingo, das 11h às 20h. Instituto Tomie Ohtake Entrada pela Rua Coropés 88, Pinheiros. Entrada grátis, com retirada de senha. Dica: Os ingressos valem apenas para o mesmo dia em que forem retirados e podem ser para três faixas de horário: das 11h às 13h30, das 14h às 16h30 e 17h às 19h30 A distribuição de senhas é feita enquanto a bilheteria estiver aberta, das 10h às 18h, com limite de duas senhas por pessoa.
Instalação Infinita Sala de Espelhos - Plena do Brilho da Vida
Ontem, 20/07, fui ao Instituto Tomie Ohtake, visitar a exposição Obsessão Infinita. Após quase 3h de espera, consegui finalmente adentrar ao prédio para ver as obras da artista Yayoi Kusama, nesta que é sua primeira grande mostra na América Latina.
A exposição trouxe uma quantidade significativa de trabalhos, cerca de 100 obras, traçando um panorama de toda a trajetória de Kusama desde o pós-guerra. Destacando-se, em relevância do material apresentado, as instalações e as recentes pinturas.
Pinturas presentes na Exposição
Senti falta de um número maior de instalações e de performances - fossem estas últimas remontadas ou em registro.
A despeito de tudo isso, o que me intrigou foi a necessidade constante de utilização da doença psiquiátrica da artista como justificativa de sua obra. Assim como a divulgação da exposição na mídia, os textos da curadoria insistiram em mencionar sua internação voluntária em clínica psiquiátrica e sua obsessão por formas circulares.
Inegavelmente - visto o número de visitantes - o estereótipo do "artista louco" funciona como boa tática de marketing, atraindo olhares e despertando curiosidade. Mas até que ponto a persistência de esteriótipos, e dos preconceitos subsequentes, na arte é positiva para o artista e para o público?
Retrato da artista Yayoi Kusama em instalação
Obviamente não quero negar a existência de tal obsessão, pois ela está mais do que evidenciada nas obras apresentadas e é parte constitutiva da artista que as produziu. Contudo, reduzir universo de Yayoi Kusama a um distúrbio mental é, em minha opinião, menosprezar sua poética e sua subjetividade.
Também temas que perpassam a obra da artista japonesa poderiam ter sido melhor discutidos, levando a uma reflexão mais profunda e construtiva. Dentre as possibilidades que enxerguei nos trabalhos exibidos estavam a questão da mulher no universo da arte pop, a repressão da sexualidade feminina, a imposição de padrões de pensamento e comportamento na vida em sociedade, as fronteiras entre arte, moda e design na arte contemporânea.
Mesmo a questão da obliteração - conceito que aparece em vários dos tragmentos de textos da curadoria nas paredes - é pouco trabalhado no projeto expositivo.
Sendo assim, minha opnião é a de que a maior justificativa para o tamanho da fila enfrentada para ver a exposição está, além de nas formas de fácil assimilação presentes na obra de Yayoi Kusama, nas ferramentas de divulgação utilizadas, que transformaram a exposição em um grande espetáculo. E este espetáculo tornou-se claro na rapidez com que as pessoas passavam pelos trabalhos, apenas fotografando-os e fotografando-se diante deles, como forma de dizer "Eu fui!".
Obsessão Infinita - Yayoi Kusama
QUANDO: de 22/05 a 27/07
Terças, Quartas, Quintas, Sextas, Sábados e Domingos das 11:00 às 20:00
Logo no início do período da mostra, fui até o museu conferi-la. Embora estivesse com bastante expectativa para ver de perto seus trabalhos, o desapontamento com a mostra minou meu ânimo para comentá-la.
O artigo, muito interessante, faz parte da primeira edição do Periódico Permanente, revista do famoso Fórum Permanente.
O texto relata, entre outras coisas, as iniciativas institucionais de trazer ao Brasil obras de artistas não-pertencentes ao eixo Estados Unidos-Europa. Trata detentativas nacionais de apresentar um panorama mais amplo da arte contemporânea (que se diz globalizada, mas exclui produções de uma boa parte das produções dos habitantes do globo).
Fiquei pensando na importância que teria uma exposição como Ai Weiwei Interlacing, caso se propusesse a ser uma experiência no sentido que aponta o autor do artigo.
O que me decepcionou na mostra foi o fato de que um artista como este, que vive há anos arriscando a própria vida, num combate individual que é sua expressão artística dentro da ditadura chinesa, tenha sido confinado em paredes brancas, quase esterilizadas de tanta falta de pulsação viva.
Um artista da ação, restrito a documentações instaladas em salas cansativas, repletas de fotos e vídeos. Nada de performance, nada de sua presença real. Tudo que estava presente no Mis poderia ter sido visto no youtube ou por fotos buscadas no Google.
Se não puderam trazer o artista, fazer o que? Que ao menos tentassem refazer algumas de suas performances, como foi a exposição comemorativa da obras de Marina Abramovic, que virou até material de documentário.
Se não isso, que pedissem a ele projetos de ações inéditas. Estas poderiam ser desenvolvidas por outros artistas brasileiros de renome na arte contemporânea.
Mas, se nada disso fosse possível, que não fizessem tanto alarde sobre a exposição, que não a transformassem em material para marketing, como tem sido com diversas mostras internacionais neste país.
Ontem, 10 de setembro, a Pinacoteca do Estado de São Paulo recebeu Alfred Pacquement, diretor do Centre Pompidou, para seminário acerca da política de descentralização e de difusão cultural baseada na criação de museus-satélite.
O primeiro tema abordado em sua fala foi "Qual a função do museu?".
Partindo desta questão, Pacquement afirmou ser responsabilidade do museu a conservação de obras que tracem um panorama histórico de determinada época, disponibilizando-as ao público como incentivo com fins educacionais, culturais e de pesquisa.
Em contrapartida, ele nos lembra que nos últimos anos, os museus tem-se transformado em locais de espetáculo e diversão, sem que se leve em conta sua função primordial. Neste segundo hall estariam grandes museus norte-americanos e fundações particulares que primam pelo entretenimento.
Seguindo ainda este pensamento, o palestrante coloca-nos que o mais importante de um museu é o acervo e é dele que deve-se ocupar o museu. Para ele, a obrigação da instituição cultural é pensar em como apresentar seu acervo ao público, o que apresentar, de que maneira possibilitar diferentes significações por meio dos caminhos expositivos traçados.
No Centre Pompidou, por exemplo, há mudanças anuais no percurso expositivo de um dos dois pisos que compõem o complexo, pensando em temáticas que despertem uma nova luz sobre as obras apresentadas. Houve uma mostra em que o tema tratado foi o cinema.
Além da tradicional exposição de vídeos, que o tema suscitaria, a curadoria do museu, selecionou trabalhos modernos e contemporâneos que trouxessem em si o movimento, a possibilidade de projeção de sombras, e outras características que aludissem ao cinematográfico.
Assim, a exposição foi montada como se as salas do percurso expositivo fossem verdadeiras instalações, em que uma obra dialogasse com a outra, fosse por sua sobreposição, reflexo, projeção, etc.
Num segundo momento, Pacquement relembrou a história do Centre Pompidou, criado em 1977, numa tentativa da França inserir-se no circuito internacional de arte contemporânea. A instituição também foi proposta de criação de um ambiente multidisciplinar, no qual além das artes visuais, haveria espaço para cinema, design e arquitetura.
Ao contrário do que aconteceu com o MoMa de Nova Iorque, por exemplo, na instituição de Paris não havia uma política de aquisição das obras desejadas, com verba disponível para montar o melhor acervo possível.
No entanto, com doações de particulares ao longo de três décadas, o Centre Pompidou conseguiu angariar obras suficientes para que não coubessem mais no espaço criado nos anos 1970.
É neste momento em que entra o terceiro ponto da palestra: a necessidade de expansão dos museus a fim de levar seu acervo ao público. Alguns museus tem utilizado como solução a criação de novas "filiais" em cidades ou países distintos.
É o caso, por exemplo do Louvre Abu Dhabi previsto para ser concluído nos Emirados Árabes ainda este ano, numa cooperação entre este país e a França, que tem como objetivo a criação de um museu universal, ou seja, com obras que vão desde a pré-história até a atualidade.
Os Emirados Árabes pretendem converter parte de sua riqueza econômica em desenvolvimento cultural, o que inclui ainda a criação de um Guggenheim. Por falar nisso, este último tem sido alvo de críticas devido à sua instalação em Bilbao, Espanha.
Isso porque, o Guggenheim Bilbao não tem autonomia sobre suas ações, ao contrário das iniciativas francesas, que tendem a uma parceria entre os diferentes lugares. Neste caso pode-se falar em museu satélite, pois todas as decisões partem de Nova Iorque e são apenas realizadas nesta e nas outras "filiais" da marca.
Além disso, criticou-se a falta de correspondência entre a modernidade da arquitetura do museu e a tradicionalidade das salas de exposições e percursos expositivos ali traçados.
No caso específico do Centre Pompidou, objetivou-se a criação de um outro museu fora de Paris, que abrigasse parte do acervo, mas que possuísse autonomia administrativa.
A proposta para criação do novo espaço foi publicamente apresentada e a região da cidade de Metz, a uma hora da capital francesa, candidatou-se para receber o novo museu.
O prédio que abrigaria o Pompidou Metz foi escolhido por concurso arquitetônico - da mesma maneira que o centro de Paris -, o estado francês arcou com 20% dos custos de instalação e o restante foi financiado pela iniciativa privada local, numa aposta de valorizar a região por meio do turismo.
Em dois anos de existência, o Pompidou Metz contou com 1,5 milhão de visitantes. De acordo com Pacquement, este não pode ser considerado um museu-satélite, porque, apesar de exibir parte do acervo do Pompidou de Paris, não repete as exposições ali instaladas, tem curador e direção próprios, além de arcar com os próprios custos administrativos.
Uma outra ação do museu no sentido de aumentar o alcance de suas obras foi a criação do Pompidou Mobile. Trata-se de um museu itinerante que leva obras significativas do modernismo europeu a áreas que estavam fora do alcance geográfico ou sócio-cultural do centro.
A ideia veio de um museu popular criado pela comunidade na periferia parisiense e que desejava emprestar obras no Pompidou.
Como este espaço, apesar da bela iniciativa, não possuía condições ideais para o acondicionamento das obras de arte, como controle de temperatura e segurança, o Pompidou resolveu desenvolver um projeto arquitetônico que pudesse se deslocar, levando arte e ações educativas a diferentes cidades francesas.
Os custos da instalação foram da ordem de 2,5 milhões de euros e o custo para cada nova exposição é de aproximadamente 200 mil euros.
Este pode ser considerado um museu-satélite, na medida em que é uma extensão do museu de Paris e de lá provém a verba para seu funcionamento bem como as decisões a respeito das obras expostas, lugares visitados e atividades propostas. Mas, acima de tudo, esta é uma iniciativa que retoma a questão inicial da palestra, a função primordial de um museu.
Entre 3 de setembro e 16 de dezembro a exposição Histórias às Margens exporá trabalhos de Adriana Varejão no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Eu conhecia pessoalmente os trabalhos da artista somente de seu pavilhão em Inhotim. Lá, apesar de bastante presente a visceralidade quase literal de seus trabalhos, há um espaço arquitetônico enorme ao redor e uma maior variação de temática que minimizam o impacto causado por uma exposição como esta no Mam.
Aqui, a temática trabalhada privilegia o corpo e está presente em dez pequenas salas montadas no salão principal do museu.
Que o estranhamento e o choque façam parte da arte contemporânea, é fato. No ano passado, por meio da mostra Em nome dos artistas promovida pela Bienal tivemos acesso aos trabalhos de Damien Hist no Brasil.
No trabalho do artista inglês o choque dos animais mortos e colocados no formol transforma-se em algo espetaculoso. Há uma crítica à sociedade, um questionamento à morte, mas há sobretudo o espetáculo. É o tubarão de 12 milhões de dólares de que nos fala Don Thompson em seu livro.
No trabalho de Varejão há uma dor tão verdadeira, que chega a comover. As vísceras saltando dos azulejos pintados, dos mapas pintados a óleo e de seus autorretratos metamorfoseadas são falsas, ou seja, réplicas feitas em outros materiais (ao contrário dos animais verdadeiros de Hist), mas a sensação que elas causam transparecem uma verdade profunda.
Vemos ainda um conhecimento histórico da arte nas referências ao barroco, à arte chinesa.
Ontem, ao visitar a exposição, fiquei imaginando como seria essa mulher que se representou com os olhos saltados da face, que dor imensa era essa que ela sentia, que sensibilidade era essa que conseguia ver a morte histórica por trás da representação de indígenas felizes nos azulejos portugueses e transmiti-la tão sinceramente ao público.
Cheguei a ter certeza de que ela só poderia ser vegetariana como eu. Talvez porque meu estômago desse sinais de sua presença ao ver seus semelhantes lá representados.
Eis que em meio a todas estas divagações chego ao último espaço da exposição e encontro a própria artista dando uma entrevista.
A Adriana Varejão é de uma suavidade ao falar, de uma aparência pequena, feminina, dócil e aparentemente tão equilibrada que me intrigou profundamente.
Acho que eu estava esperando alguém externamente visceral, ativista, etc. Saí de lá cheia de dúvidas...
Este foi o título do seminário promovido pela revista ARTE!Brasileiros no Auditório do Ibirapuera ontem.
O evento, muito bem organizado, foi composto por quatro mesas que tiveram as seguintes diretrizes:
1) A importância das diretrizes políticas e de políticas públicas para a formação de coleções.
2) A formação de coleções públicas e privadas.
3) O que podemos fazer para que grandes coleções privadas tenham acesso ao público.
4) Formas contemporâneas de difusão: programas educacionais, acervos digitais, patrimônio material e ações efêmeras.
No primeiro destes debates, foram tratadas as dificuldades estruturais dos espaços expositivos brasileiros; a falta de políticas públicas para aquisição de obras, que evitem repetições de obras e ausências de outras; a diminuição das doações de colecionadores particulares para espaços públicos, preferindo criar espaços próprios para exposição de suas obras a fim de evitar que estas fiquem apenas nas reservas técnicas de museus; a dificuldade na aquisição de trabalhos artísticos contemporâneos por parte do governo por conta dos altos preços praticados pelo mercado.
O secretário municipal de cultura da cidade de São Paulo, Carlos Augusto Machado Calil, apresentou sua experiência na gestão da "Coleção de Arte da Cidade". Trata-se de um acervo formado por 2.800 obras em papel que esteve guardada por anos na Biblioteca Mario de Andrade e nos anos 1980 foi transferida para o CCSP - Centro Cultural São Paulo - sem nenhuma condição técnica de ser aí exibida.
A solução encontrada foi emprestar algumas obras em comodato para a Pinacoteca do Estado durante as últimas décadas a fim de evitar a degradação e no próximo ano pretende-se ocupar a Chácara Lame, um dos espaços do Museu da Cidade - projeto que estimula a visitação de construções históricas da cidade.
Todos os palestrantes ressaltaram a importância de tornar as coleções de arte públicas, independente de sua estatização, entendendo tornar público como levar a coleção ao maior número de pessoas, ainda que com iniciativa privada. Este tipo de atitude ajudaria a diminuir o descompasso entre a potente economia brasileira e seu vergonhoso desenvolvimento social, educacional e cultural.
No entanto, o advogado Evaristo Martins de Azevedo, presidente da Comissão de Direito às Artes da OAB, lembrou que as questões legais e tributárias do país minam parte da boa vontade na concretização deste objetivo. Alguns dos exemplos que deu foram: a entrada de um prêmio como o Oscar no Brasil obriga seu ganhador a pagar altos impostos, o que faz com que este pense duas vezes antes de querer trazê-lo ao pais; a Lei Rouanet, por sua vez, fez com que as instituições públicas tivessem que lutar também por patrocínio ao invés de terem uma verba garantida para sua manutenção advinda do governo.
No segundo debate, discutiu-se a necessidade de encarar a arte como um bem comum da humanidade, nas palavras crítico, historiador e professor Frederico Morais. Para ele, a obra de arte, quando saída do ateliê não pertence mais nem a seu criador, visto que adquire novos significados.
Ressaltou ainda sua utopia da criação de uma coleção nacional única, com catalogação de todas as obras presentes no Brasil, oferecendo maior transparência e facilidade para pesquisa e circulação. Frederico acredita que isso evitaria a repetição excessiva de obras, tendências, movimentos e curadores, contendo a especulação do mercado de arte. Fez ainda uma brincadeira com o perfil ideal de um colecionador: solteiro e sem filhos. Pois os herdeiros normalmente cercam as obras de exigências, direitos autorais e dificultam as relações com os museus.
O museólogo e curador Fábio Luiz Pereira de Magalhães comentou sobre a mudança no perfil dos colecionadores. Em primeiro lugar, estão se desfazendo de obras modernas para investir em trabalhos contemporâneos, em função da valoração do mercado. Outra característica é o crescimento do número de colecionadores jovens, com idade entre 30 e 40 anos, provenientes, sobretudo, do mercado financeiro.
Fábio contou de sua experiência à frente Macs - Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba. Este museu foi uma iniciativa de um grupo de empresários em uma das cidades com maior PIB do Brasil e que não possuía qualquer aparelho cultural disponível para a população. O espaço se ocupa, em especial, de fotografias e arquitetura.
Durante a mesa 3 podemos perceber as diferenças nos entraves à formação de uma coleção de arte nos Estados Unidos e na América Latina. Enquanto lá não há taxas sobre importação ou exportação de obras de arte, aqui a tributação é imensa.
Na Argentina, de acordo com o fundador do Malba - Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires - , Eduardo Costantini, o imposto pago para aquisição de obras de arte é de 40%, semelhante ao valor pago sobre qualquer outro bem de consumo. Além disso, um cidadão pode doar apenas 20% de seu patrimônio para uma instituição, o restante deve ser obrigatoriamente destinado à família como herança. Estes fatos ressaltam a importância da família para a sociedade latina, mas dificultam as doações para acervos públicos.
Situação parecida foi descrita por Patrick Charpenel no México, Cecilia Fjardo-Hill na Venezuela e João Carlos de Figueiredo Ferraz no Brasil.
Este último, fundador do Instituto Figueiredo Ferraz em Ribeirão Preto foi enfático ao afirmar que não há interesse em arte e cultura no Brasil, porque não se valoriza a educação e isso é comprovado pelos impostos abusivos e pela falta de preparo e sensibilidade dos burocratas.
Para ele, o governo não possui política de aquisição de obras e fica como urubus esperando que os colecionadores morram para garantir seus acervos sem custo. Além disso, há uma confusão por parte do estado entre cultura e lazer, vista em eventos como a Virada Cultural, quando na verdade cultura deveria estar associada à educação.
Em contrapartida, nos Estados Unidos, há incentivos para a criação de fundações e a movimentação nas artes. A fundadora da Cisneros Fontanals Art Foundation, Ella Fontanals Cisteros, contou sua experiência na criação do Museu de Arte de Miami a partir de seu acervo.
Para ela é uma obrigação social do colecionador a divulgação da arte e dos artistas, criando um mercado para estes. Assim, além das exposições, a fundação oferece prêmios a artistas jovens latino-americanos.
Por último, assistimos ao discurso de pessoas como João Cândido Portinari, que liderando o Projeto Portinari conseguiu reunir, catalogar e propagar a obra de seu pai aos recantos mais esquecidos do Brasil.
Seu relato emocionou por demonstrar que a divulgação da cultura e da arte é ainda um objetivo de idealistas apaixonados, mas que é possível realizar este sonho quando se acredita nele. João Cândido acredita que a obra de seu pai foi mais do que um arranjo de cores e formas e por isso sente o compromisso social de levar os valores tratados nas pinturas ao maior número possível de pessoas.
Vimos ainda exemplos como Inhotim, o educativo da Bienal de São Paulo e o KOS Museum of Art in Public Spaces na Dinamarca.
Sobre a qualidade do acervo do Museu d'Orsay vinda para cá não se tem muito o que comentar. Resta elogiar e parabenizar pela iniciativa!
Obras de arte impressionistas relevantes, de artistas importantíssimos para a história da arte ocidental - Camille Pissaro, Claude Monet, Edgar Degas, Edouard Manet, Henri Toulosse-Lautrec, Paul Cézanne, Paul Gauguin, Pierre-Auguste Renoir e Vincent Van Gogh - apresentadas pela primeira vez no país.
"La Tour Eiffel", de Louis Welden Hawkins (1849-1910)
O fato demonstra ainda que o Brasil está de fato inserido no contexto internacional das artes e que já dispõe da confiança de grandes instituições tradicionais, independente do valor do seguro pago para tal transação.
O CCBB é ainda uma das minhas instituições culturais favoritas não só pela qualidade recorrente da arte exposta - normalmente contemporânea, o que requer ainda maior seletividade - mas também pelas atividades educativas ao redor das exposições apresentadas com debates, palestras e disponibilização de catálogos online. O que nesta mostra não é diferente.
No entanto, o projeto expositivo da Expomus incomodou-me sobremaneira. Um espaço apertado para as 85 obras apresentadas, que se transformou numa réplica malfeita de um museu antigo francês.
Não havia nem recuo suficiente para apreciação de algumas obras de mais de 2 metros de altura. Fiquei ainda pensando na circulação de cadeirantes em meio àquelas portas falsas colocadas no percurso expositivo.
Para mim, ficou claro até que uma exposição dessas não estava devidamente abrigado num prédio como o do CCBB, já que não se poderia utilizar as áreas de circulação fora das salas fechadas. Talvez na Pinacoteca, com o pé direito alto da construção, a exibição fosse mais valorizada.
Quanto às cores escolhidas para as paredes, a exposição começa bem, com suas paredes em cor de vinho, que além da novidade ressaltam a luminosidade das telas impressionistas. No entanto, nas últimas salas ouvi pessoas reclamarem da falta de legibilidade das legendas brancas em fundo cinza mais claro.
Também a iluminação feita pelo Estúdio Design da Luz dificultou a visualização perfeita de diversas obras. A luz simplesmente refletia no vidro protetor das telas e dificultava a apreciação das cores, tão caras aos impressionistas.
Além disso, a transformação da exposição em um espetáculo levanta algumas dúvidas.
Se, por um lado, as filas de espera são um sinal de que mais pessoas estão indo ao museu e, talvez até tendo seu primeiro contato com a arte, seja extremamente positiva. Por outro esse excesso de público dificulta qualquer reflexão ou apreensão mais crítica do que está sendo visto.
As filas, que lembram o antigo Playcenter, tornam espera exaustiva. Também as senhas e carimbos no braço fazem com que não nos sintamos mais em um local de cultura e educação, mas indo em busca de puro entretenimento.
Falta liberdade para andar livremente entre os trabalhos, para traçar seu próprio percurso dentro do que foi proposto pela curadoria, ir e voltar entre os andares, observar com calma sem se acotovelar com ninguém.
Para mim, ficou a vontade de um dia ir ao Museu d'Orsay para observar atentamente cada um dos trabalhos aqui apresentados; ficou a sensação de que fui, e não-fui a esta exposição. Uma solução possível fosse aumentar o tempo em que a exposição ficará na cidade ou não exagerar na publicidade, sem dar conta do público atingido.